REFLEXÕES SOBRE O PODER

Reflexões sobre o Poder.

Recentemente um amigo foi eleito importante representante de sua categoria profissional.  Por conseguinte seu nome ficou em evidência entre os seus pares. Em encontros nacionais e internacionais sua presença passou a ser requisitada e sua voz e opinião ouvidas com atenção por diversas autoridades.

         - Rapaz, já não consigo dar aquela risada de antigamente!  - desabafa meu amigo com sinceridade e segreda para mim e outro amigo comum a impossibilidade de continuar sendo a mesma pessoa no que tange a detalhes mínimos, por exemplo na maneira de se vestir.

         À memória me vem aquela figura sacana de anos atrás, rindo gostosamente com a boca, os olhos, o rosto e a testa, quase uma careta. Com certeza não lhe foi exigida nem condicionada tal mudança a sua nova realidade. Simplesmente existe um mecanismo de lógica coerente que dispara, inconscientemente, no interior da pessoa. A reflexão decodificada seria assim: “ Eu não sou mais a pessoa física, individual, independente. Eu sou um coletivo. Minhas palavras e atitudes refletem uma maneira particular de ser de todos a quem eu represento.”  Meu Amigo se vê na obrigação de se demonstrar, comedido e sóbrio, coerente e sábio, e nessa direção deve se esforçar.

         Sendo em sua origem um organismo biológico único, o meu Amigo, embora as roupas mais requintadas do seu guarda roupas de agora, tem o direito de preservar aquele pijama desbotado que ele dizia que levaria quando se casasse. Ou aquela calça Jeans surrada ou o travesseiro muitas vezes babado. Também pode sentar ainda num botequim “pé sujo” e devorar sem cerimônia um PF regado à cerveja como antes. Contudo, em muito menor freqüência.

         Meu Amigo, com certeza, sabe discernir com que roupa vai ao samba, se for convidado. Coisa rara nos dias atuais. Hoje vemos quadros hilários. Até em velório, ambiente tenso e triste, onde se vai render homenagem ao morto e solidariedade aos vivos, a confusão se estabelece. Muitas vezes os mais sensatos têm que virar o rosto para que a viúva chorosa possa se debruçar sobre o defunto e lhe dar um beijo na testa ,sem que suas intimidades fiquem desnudas.

         Provavelmente, se ele tiver Mordomo, como dizia Victor Hugo, este verá e apoiará meu Amigo nas circunstâncias mais singulares. Isto porque, embora seja ele hoje uma autoridade e possa viver momentos diferenciados do homem comum, é ainda um organismo vivo e humano, onde uma fisiologia foi estabelecida a milênios. Todo o Ser Humano está sujeito a uma gripe, uma diarréia ... Talvez por esse motivo que o Grande Escritor afirmava que para o Mordomo não existia Autoridade.

         É equivocado supor que um Parlamentar ou um Chefe de Executivo podem tudo. Quem assim supõe ou almeja em proveito próprio ou de outrem, não compreendeu ainda qual o seu papel na História, muito menos a irradiação dos seus atos e palavras.

         Um resfriado ou uma topada na Rainha da Inglaterra pode dar uma grande manchete. Já a blenorragia do maquinista de folga da RFF, nenhuma comoção produzirá.

         É incorreto imaginar que uma autoridade seja constituída para a prática da licenciosidade e da indulgência, ao arrepio das normas estabelecidas. Na verdade, quanto mais se sobe na Pirâmide Social mais o ego deve desaparecer. Toda Autoridade vive as suas encruzilhadas e prova fartamente da angústia e da solidão.

         Só a mentes muito elementares não compreendem os limites do poder. Na realidade, num País de legalidade, o poder deve existir, mas não os poderosos. Tudo porque, na legalidade, o poder é flutuante, transferível e limitado. A Constituição afirma que todo o poder vem do povo. O espiritualista dirá que todo o poder vem de Deus.

         Aqueles que não entendem que todo poder é volátil se sentem poderosos e querem o preservar para si, vitaliciamente. Querem passar para um integrante da família, e assim vai. O cemitério está cheio de poderosos, doutores, grandes capitalistas e generais. No entanto nenhum atestado de óbito traz na sua letra os adereços que o “de cujus” colou em sua passagem; nem diplomas, nem patentes, nem riquezas.  Até o Grande Rei Davi, no final de sua vida, em razão de um frio que não passava nunca, perdeu totalmente o respeito e a consideração do seu povo.

         É constrangedor ver os desatinos que os policiais cometem no trânsito e em outros momentos, bem como os motoristas de ambulâncias que sem um fato gerador que os justifiquem, não respeitam sinais, expõem terceiros e as suas Corporações.

         No entanto, o poder está distribuído eqüitativamente por todas as cabeças, independente da função ou do status que ocupem na Sociedade. Vejamos um exemplo. Em primeiro julgamento poderíamos afirmar que o mendigo da esquina não tem poder algum. Mas ao longo dos tempos quantos doutores em pileques não foram salvos por um mendigo de morte certa por asfixia numa simples poça de água? Será que a cozinheira não é poderosa na investidura de sua Cozinha? E o Motorista, e o Pedreiro, Carpinteiro...?

         Alguns espiritualistas desejosos de saber quem foram em existências pregressas, recorrem aos Adivinhos. Estes, mestres no manejo dos egos, enchem os incautos de felicidade. Todos os clientes ficam maravilhados porque entram plebeus e saem com o sangue azul. Sem exceção, ou foram Procônsules  em Roma, Samurais na China, Shoguns no Japão, Reis em Judá, etc, etc, etc. São tantos Reinos e Impérios que o Planeta não comportaria, nem a História Universal conseguiria registrar.

 Prezado Policial, você é muito importante. Nenhuma sociedade politicamente organizada pode abrir mão de sua existência, desde os primórdios, muito antes de Cristo. O Poder de Polícia não é pessoal nem lhe foi conferido como se um patrimônio fosse. O Poder de Polícia é um poder funcional que se mantém em estado latente. Se não houver um fato gerador real ele não poderá ser exercitado. Se o for será arbitrariedade, barbárie. Enquanto você trabalha vários olhos estão sobre si, dada a sua importância; olhos humanos da População, olhos eletrônicos das várias câmeras da Cidade e olhos quânticos dos satélites. Principalmente, a todo instante você está sendo visto e julgado pelos olhos do Pai. Alguns irmãos seus chegaram à velhice e a inatividade, fugindo de coisas que mesmo transformando as residências em castelo e até os dentes armados, as portas reforçadas não conseguiram barrar a passagem. A verdadeira Arte Policial está em saber medir a intensidade e a oportunidade do emprego da força, em virtude do Poder de Polícia, nos limites da Lei.

         Todo o Poder vem de Deus. O Homem é na verdade um simples ou sábio Mordomo.

O poder Deus dá e Deus toma.